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De tempos em tempos ganha repercussão algum tipo de brincadeira ou desafio que, mais do que propor diversão, acaba mesmo é expondo e colocando em risco a saúde e até a vida de crianças e adolescentes instigadas por algum tipo de curiosidade.
O alerta da vez agora envolve o desodorante aerosol/spray, em uma “dinâmica” de inalação pelo máximo de tempo possível difundida em redes sociais, e que só entre março e abril vitimou uma menina de oito anos e outra de onze, em dois estados diferentes.
A situação traz de volta a preocupação em relação aos conteúdos de internet consumidos por essas faixas etárias e ainda a necessidade de se discutir a regulamentação do que é disponibilizado online. Um dos episódios desta semana do podcast “O Assunto”, apresentado pela jornalista Natuza Nery, aborda justamente esta questão: o de que redes sociais tornaram-se sinônimo de perigo na palma da mão.

De acordo com o Instituto Dimicuida, o Brasil registrou 56 casos de crianças ou adolescentes que morreram ou ficaram gravemente feridos por causa de desafios irresponsáveis espalhados na rede mundial de computadores nos últimos onze anos, ou seja, desde 2014. A quem – e se – cabe a responsabilização e como evitar que se chegue a um extremo tão chocante?.
“Abre-se o debate familiar em paralelo: os pais acompanham o que o filho vê, conversam sobre? A escola conversa? Veja só, o governo federal sancionou recentemente a lei que proíbe o celular no ambiente escolar, que foi um ‘para pra acertar’ e foi o mais acertado que podia ter ocorrido.
Já se tem dados de crianças voltando a interagir, brincando, vivenciando um lazer sem tela na hora do recreio. Para falar da morte de uma criança de oito, de onze anos por desafio na internet não adianta só focar só na responsabilização familiar, porque é mesmo muito rápido que acontece e não, às vezes ninguém vê!”, alerta Jureuda.
A psicóloga lembra que a criança, o adolescente que tem uma melhor oratória ou bom entendimento do acesso à internet não está necessariamente madura para consumir o conteúdo disponível. “Precisamos voltar à educação conversada, freiriana, do propor, ouvir, falar, isso tem que voltar. E não só nas escolas, mas em casa.
Tem rede social que é terra sem lei, então é preciso bloquear determinados acessos a quem não tem maturidade psíquica para decidir sobre o que está vendo. Tem que ter cuidado, até porque esse mesmo terreno dos desafios é o do abuso sexual”, alerta.
Pais podem responder pelos atos dos seus filhos
No caso de vítima fatal, a legislação brasileira permite responsabilizar quem contribuiu para a tragédia — seja por ação ou omissão. A responsabilização pode ser penal, civil e/ou administrativa, dependendo do grau de envolvimento, do dolo ou da culpa, e da omissão frente aos riscos evidentes. A Constituição e o ECA são claros: proteger a vida e a integridade dos menores é dever de todos — inclusive no ambiente digital.
“A crescente exposição de crianças e adolescentes a conteúdos perigosos na internet trouxe à tona o conceito de ‘abandono digital’, que se refere à negligência dos pais quanto ao dever de orientar e monitorar o uso da internet pelos filhos. O Estatuto da Criança e do Adolescente impõe aos pais e responsáveis o dever de cuidado, vigilância e orientação, o que inclui o uso de ambientes virtuais. A omissão desse dever pode configurar violação das obrigações previstas no Código Civil e no ECA, sujeitando os responsáveis a sanções civis ou administrativas e, em casos extremos, penais”, alerta a advogada Ivana Melo.
O Marco Civil da Internet, em seu artigo 29, estabelece que os pais ou responsáveis legais têm o dever de zelar pela orientação e supervisão do uso da internet por crianças e adolescentes. Além disso, os pais têm responsabilidade pelos atos ilícitos cometidos por seus filhos menores, conforme o artigo 932, inciso I, do Código Civil. Isso significa que, se os filhos causarem danos a terceiros por meio de suas atividades online, – como compartilhamento de vídeos, por exemplo – os pais podem ser legalmente responsabilizados por tais prejuízos.
Manual lançado pelo governo federal orienta para ambiente digital mais saudável
No último dia 11 de março foi lançado em Brasília (DF), o documento “Crianças, Adolescentes e Telas – Guia sobre usos de dispositivos digitais”. A publicação foi elaborada por um grupo de trabalho que reuniu diversos ministérios, especialistas e instituições ligadas ao tema, incluindo o Conselho Federal de Psicologia (CFP). O documento está disponível na íntegra nos sites do Governo do Brasil (www.gov.br) e também tem link para download no site do próprio CFP (site.cfp.org.br).
Confira o resumo de uma das recomendações:
O uso de dispositivos digitais deve se dar aos poucos, conforme vá aumentando a autonomia progressiva da criança ou adolescente:
- Recomenda-se o não uso de telas e aparelhos digitais para crianças com menos de 2 anos, salvo para contato com familiares por videochamada, acompanhada de pessoa adulta;
- Orienta-se que crianças (antes dos 12 anos) não devem possuir aparelhos celulares do tipo smartphone próprios, sendo que, quanto mais tarde se der a posse ou aquisição de aparelho próprio, melhor;
- O acesso a redes sociais deve observar a faixa etária sinalizada pela Classificação Indicativa, através de ícones quadrados coloridos vinculados aos aplicativos nas lojas virtuais onde podem ser baixados. Reforça-se que a maioria das redes sociais não foi projetada para crianças, contendo padrões que estimulam o uso prolongado e potencialmente problemático, além de que a presença de crianças nelas pode pressionar outras a fazerem o mesmo, pelo receio de se sentirem excluídas daquele ambiente;
- O uso de dispositivos eletrônicos, aplicativos e redes sociais durante a adolescência (12 a 17 anos) deve se dar com acompanhamento familiar ou de educadores;
- O uso não pedagógico de dispositivos digitais no ambiente escolar, em qualquer etapa de ensino, pode trazer prejuízos para o processo de aprendizagem e desenvolvimento de crianças e adolescentes;
- Escolas devem avaliar criteriosamente o uso de aparelhos, como celulares ou tablets, para fins pedagógicos na Primeira Infância, evitando seu uso individual pelos estudantes.
Informações DOL